terça-feira, 14 de julho de 2009

Vinho Carcavelos




Vinho Carcavelos

Os vinhos de Carcavelos são anteriores à época de setecentos, tendo merecido do poeta Filinto Elísio algumas das suas esplêndidas odes. Esta região vitivinícola, que actualmente está acordando, é possuidora de um vasto historial na vinicultura portuguesa.
A demarcação regional data de Setembro de 1908, por ter sido reconhecido o seu mérito próprio, que em parte se deve ao seu clima e terreno. Este conjunto de características especiais já era conhecido no reinado de D, José I, que lhe dedicou atenções especiais, protegendo as vinhas e seus vinhos, chegando os mesmos a ser mandados para o estrangeiro, como um dos melhores néctares das vinhas de Portugal. Em 1752 fizeram parte dos presentes, na embaixada de Assis Pacheco de Sampaio à corte de Pequim. Também o primeiro conde de Oeiras (marquês de Pombal), figura entendida em terrenos e vinhas, desenvolveu a viticultura nesta zona, e noutras regiões do País. Chegou a plantar vinhas nas suas propriedades de Oeiras, para o que construiu instalações apropriadas, para a vinificação e conservação dos vinhos.
Nesse tempo, o interesse pela viticultura era bastante acentuado, tendo existido uns vinte viticultores, que chegaram a produzir 12000 pipas de mosto. Actualmente, a produção de vinhos nesta zona veio a diminuir gradualmente, até à última década dos anos de setenta, em que foi de pouco mais de 50 pipas.
A região produtora do vinho de Carcavelos situa-se na zona dos Estoris, a 15 km de Lisboa, junto à foz do Tejo. Esta demarcação abrange as freguesias de S. Domingos de Rana e Carcavelos, do concelho de Cascais, e parte da freguesia de Oeiras. Os terrenos são constituídos de calcário e de argila arenosa. O clima é marítimo, influenciado pelo oceano Atlântico. As castas de maior importância para a composição destes vinhos generosos ou especiais são as seguintes: brancas - Galego Dourado, Arinto e Boal; tintas ­Trincadeira, Espadeiro ou Torneiro e Negro Mole. A casta de videira que maior importância tem para obtenção deste tipo de vinho é a Galego Dourado, sendo a videira que se cultiva em maior número, e, também, aquela que menos quantidade produz, por «pé», e que oferece melhor qualidade de fruto.
Em 1930 criaram-se os grémios de vitivinicultores e de exportadores, reunidos, por lei, na União Vinícola Regional de Carcavelos, tendo a seu cargo a orientação da produção e do seu comércio. A fiscalização da qualidade deste vinho generoso compete à referida União, que concede selos de garantia aos vinhos produzidos nesta região e certificados de origem para os destinados a exportação.
Numa das lombas do coração de Carcavelos encontra-se um largo público com doze palmeiras adultas, e com as suas palmas a indicar a posição dos ventos; ao mesmo tempo, nos dias de sol brilhante, também sombreiam os portões de uma das quintas aí existente, que por sorte ainda hoje conserva a viticultura desta região dos Estoris.
"A freguesia de Carcavelos é aquela que oferece o seu nome à Região Demarcada .
As suas vinhas também não escaparam às doenças do oídio, e mais tarde à filoxera, os quais foram suficiente para destruir a cultura das castas tradicionais ou nobres, e só mais tarde, a poder de muito trabalho, foi possível recuperar a finíssima qualidade desses néctares, o que se ficou a dever, em parte, às espécies bravas ou cavalos, que são a Aromon, Ripária e a Chasselas, espécies que foram enxertadas com as castas tradicionais referidas.
As vindimas processam-se em condições normais, sem merecer referência especial. Durante a maturação, as uvas chegam a atingir um grau de açúcar bastante elevado, o qual se deve ao sol que cobre as praias e as lombas desta zona, durante os meses quentes da Primavera, Verão e Outono. No momento da vindima, não se exclui os cuidados a ter com os, cachos maduros, antes de os levar para o lagar, os quais são escolhidos, retirando-se-lhes alguns bagos verdes ou podres. A fermentação processa-se de acordo com as técnicas tradicionais e admitidas por lei. Este vinho generoso é envelhecido em vasilhas de madeiras apropriadas (de carvalho ou de castanho), durante um período de tempo mínimo de quatro anos. Depois de ter atingido uma coloração e um determinado grau de doçura, assim como um perfume característico, este vinho será envasilhado em garrafas de tipo dos Vintages ou dos de Gerez de Ia Frontera. São apresentados para consumo com dois graus de doçura diferentes: o nº 1, que corresponde ao grau mais seco, e o nº 2, que cor responde ao grau mais doce. Gastronomicamente, o seco é delicioso para acompanhar caldos de substâncias, cremes ou aveludados, e, alguns tipos de acepipes, podendo ser bebidos antes das refeições, como aperitivo. O mais doce é também muito agradável para acompanhar frutas flamejadas, crepes de sobremesa e diversos tipos de pastelaria. Há quem os prefira, tanto o seco como o doce, para acompanhar o café, em vez de licores. O grau alcoólico de ambos anda à volta de 18_20 G.L., e são servidos em cálices do tipo do Porto ou em túlipas do tipo dos de Gerez. O mais seco é aconselhável servi-lo em copos (ou cálices) previamente frios ou esfriados no momento de se servir, para o que se colocam uns pedacinhos de gelo dentro do referido copo, segurando-o pela base ou pé, fazendo que o gelo que está dentro ande à volta do copo, e assim, o vidro vá esfriando, ficando bastante embaciado, em seguida deita-se fora o gelo e a água e sacode-se o copo, sem ser necessário limpá-lo, servindo-o em seguida. O mais doce serve-se no mesmo tipo de copo que o primeiro, à temperatura ambiente, à volta de 18° a 20° centigrados. Bebem-se do mesmo modo que os Portos ou os licores, ingerindo-se pouca quantidade de cada vez, deixando-os espalhar-se pela boca, durante alguns segundos, o que nos permite saboreá-los melhor.
E conveniente que nas garrafas, depois de abertas, se coloque uma rolha que vede bem, colocando-as em local seco e não muito exposta à luz; assim poderão conservar-se várias semanas sem correr o risco de o vinho se adulterar. Estes vinhos, que apresentam uma cor dourado-carregado, possuem um aroma inconfundível, notando-se a influência da casta Galego Dourado, da qual não se conhece exactamente a origem, havendo quem afirme que é originária dos Celtas, sendo trazida para a foz do Tejo pelos Fenícios. Na realidade, apenas se sabe que esta videira não se adapta a qualquer terreno ou clima, sendo a zona dos Estoris aquela que melhores condições oferece para o cultivo desta espécie vitis vinifera. Segundo Homero, depois da tomada de Tróia, e durante os dez anos que Ulisses andou a navegar pelos mares, quando regressou a Itaca, levava consigo passas de uva, que ofereceu a sua esposa Penélope, como prova de doçura e de muito trabalho. Segundo a lenda, Ulisses, partiu de Lisboa directamente para a sua terra, ilha onde era rei. Falando de uvas e de navegadores, em Lisboa também pudemos ver, logo a seguir a Alcântara, junto à Tapadinha, umas manchas de vinhas, mas, por ser época de parras caducas, não nos foi possível identificar as espécies de videiras que nesses locais se ­cultivam -se naturalmente que os técnicos de viticultura as conhecem pelas parras, quando estão vivas, ou pela cor dos bacelos. Seguindo pela borda do Tejo até Carcavelos, também se encontram algumas parreiras, a adornar os portões dos chalets, assim como lindos jardins particulares e vasos com plantas, nas varandas, oferecendo variadíssimas cores, e só Plínio (o sobrinho) poderia descrever estas belezas da Natureza. É talvez por todas estas influências de odores que os vinhos generosos de Carcavelos nos oferecem um certo gosto a tâmaras - odores e paladares que dependem de um certo período de tempo de envelhecimento.
Também os tintos comuns, obtidos a partir das mesmas uvas que os generosos, são excelentes para acompanhar com perdizes à moda de Alcântara; espécie cinegética rara em Portugal, que também sempre foi protegida por lei.

Texto de autor : J. M. González Gil